Por: Diego El Khouri
Venho entrevistando a galera das artes há 10 anos. A primeira foi com o poeta Glauco Mattoso, e que publiquei no blog Molho Livre ( http://molholivre.blogspot.com/ ) em 31 de Outubro de 2010 e depois nesse blog aqui também. E nunca mais parei. Existe muitos motivos para estar nesse encalço. A cultura alternativa tem realmente, em boa parte dos casos, essa necessidade de interação, coletividade e troca de experiências. Conhecer outras formas de pensar enriquece o nosso próprio trabalho. E o público precisa conhecer quem são esses artistas e principalmente as artes e reflexões que eles/elas propõe. Esse blog, como já disse algumas vezes, visa devassar a cultura, ampliar nosso olhar, fortalecer a cena artística e criar um painel de produção contemporânea. Dessa vez a entrevista é com o professor universitário, quadrinhista e pesquisador em histórias em quadrinhos, Gazy Andraus. Com ascendência libanesa, Gazy nasceu em Ituiutaba (MG) (cidade de outro grande quadrinhista brasileiro, o Edgar Franco) no dia 11 de Janeiro de 1967. Sua trajetória marca um período importante da arte sequencial brasileira, as ditas HQs poético-filosóficos, que modificaram a forma de pensar e fazer quadrinhos no Brasil. Abaixo segue o papo com esse importante autor do underground nacional.
1) De que forma se
tornou quadrinhista e como foi o processo até se tornar pesquisador da área?
Na infância, como toda a
criança, o desenho em todas as instâncias chamava-me a atenção (em revistas,
gibis, desenhos animados etc). Os dinossauros me atraíam e eu os desenhava
quando fui criança, incessantemente. As ilustrações de dinossauros, igualmente,
me eram apaixonantes, junto do que seria a vegetação pré-histórica representada
na época dos seres antediluvianos. Enquanto isso, assistia os desenhos animados
e séries fantásticas (“Corrida Maluca”, “Ultra-Seven”, “Zorro”), mas os gibis
foram os que mais me envolveram, pelos quadrinhos, cenas, personagens e
variedades de títulos e estilos (dos desenhos, principalmente). Inicialmente no
humor e depois, a partir de meus 12 e 13 anos, apaixonei-me pelos de
super-heróis graças aos desenhos naturalistas (realistas) com o fantasioso da
ficção mixado à realidade recriada nos heróis. Desta fase em diante, eu queria
poder criar HQs de super-heróis como as dos profissionais que eu via. Depois,
na faculdade de artes, aprendi técnicas artísticas e de plasticidade que mesclei
à linguagem quadrinhística, enquanto conhecia os fanzines, onde principiava a
publicar meus quadrinhos iniciais. A seguir, percebi a necessidade das pesquisas
aos quadrinhos para lhes dar o devido valor aos olhos de quem não os reconhecia,
o que me levou ao mestrado e doutorado (e agora ao pós-doutoramento sobre os
fanzines, em específico).
2) Você
produziu inúmeros fanzines e HQs na qual eram chamados de
"quadrinhos poéticos - filosóficos. O que seria essa vertente
da HQ?
Em meados da década de 1980
conheci os fanzines e principiei a participar deles. Fui um período muito
fértil, ainda sem computadores pessoais e internet. Tínhamos uma inflação
galopante no Brasil, gibis em bancas e álbuns de HQs nas livrarias que passaram
a ter uma publicação cada vez com mais títulos diferentes e respaldados com
reportagens jornalísticas, como nunca houvera antes no Brasil. Com isto, os
quadrinhos europeus vieram com mais freqüência e passei a conhecê-los melhor.
Então, em meio às HQs amadoras (e também profissionais, com HQs de Mozart Couto
e Shimamoto) que eu via nos zines e os quadrinhos de super-heróis (que eu já
não me contentava mais em desenhar e emular), percebi grandes diferenças naquelas
artes das dos europeus como Moebius, Caza e Druillett. O álbum “O Homem é bom?”
de Moebius me deixou atônito! Era totalmente diferente e seus desenhos fluídos
e as histórias (se por assim chamadas) eram poéticas! Na verdade, para explicar
melhor como se deu esta modificação comigo, vou contar melhor o fato. Na época
(meados e fins dos anos 80), com a inflação perto dos 80%, restava um exemplar
deste álbum do Moebius à mostra numa livraria em Santos/SP e todas as vezes que
eu passava, não dava muita atenção. Como a livraria parou de remarcar o preço
do exemplar, após umas semanas, seu valor ficou igual ao de um simples
gibizinho da Ed. Abril, com seus constantes aumentos, que também acometiam
todos os outros produtos no Brasil. Então, como eu estava já meio cansado de
ler HQs de heróis com “crises em infinitas terras”, resolvi encarar o álbum de
Moebius, ainda meio reticente...mas quando passei a lê-lo, entendi a magnanimidade
e diferencial de sua arte que muito me aprouve! Enquanto isso, em alguns fanzines
apareciam outros autores como Caza (Phillippe Cazamayou) com sua HQ “Vento”,
altamente poético-fantástico-reflexiva! Aliado a essas novas experiências de
leituras minhas, estavam meus conhecimentos e experiências que estava
adquirindo na faculdade de artes, cuja amálgama com os estilos de super-heróis que
ainda residiam no meu arcabouço mental, retransmiti tudo à minha arte, passando,
aos poucos, a criar HQs curtas com tais tônicas (mas, claro, inconscientemente
de que se tornaria um estilo distinto, também simultaneamente desenvolvido por
outros novos autores). O curioso foi encontrar HQs similares às minhas, tanto
no estilo de desenhos, como nas temáticas fantasioso-reflexivas, das HQs de
Edgar Franco (que eu não conhecia), tendo publicado num mesmo número que eu no clássico
fanzine “Barata”. Conforme fomos nos tornando amigos e difundindo mais e mais
nossas artes, lançamos em 1994 o zine “Irmãos Siameses”, cocriado já com a
premissa de uma arte-irmã, e tendo tido suas páginas alcunhadas como “autêntica
fantasia-filosófica” pelo curador da Exposição Anual de Fanzines de Ourense na
Espanha. Outros autores foram despontando com estilos distintos, como Antonio
Amaral, Rosemário e AlGreco. Mas, claro, antes deles e de nós, já havia o
Flávio Calazans e Henry Jaepelt (este último com desenhos que lembram os
europeus Moebius e Arno) cujos estilos embrionários contribuíram para a
manutenção dos quadrinhos poético-reflexivos, o que só ampliou esta visão de um
estilo único brasileiro influenciado, um tanto, pelo europeu. É importante
ressaltar que devido aos fanzines serem de poucas páginas e tiragens reduzidas,
exigia-se com que nós autores elaborássemos HQs curtas de 3 a 6 páginas, em geral, para
que mais autores pudessem publicar em fanzines como “Tchê”, “Quadritos”, “Bifa”,
“Barata” etc. Esta premência de nos obrigar a elaborar HQs curtas nos forçou
mais ainda a sermos mais criativos e mais sucintos (ou elípticos) em nossas
narrativas, culminando no estilo das HQs poéticas! Inclusive, isto resultou num
pós-doutorado do saudoso Elydio dos Santos Neto, que registrou na história da
HQ e nos meios acadêmicos, tal estilo.
3) Ao longo de sua
carreira, no universo dos quadrinhos, você publicou em fanzines e
revistas internacionais como o zine francês La Bouche du Monde.
Como os quadrinhos são vistos no mercado Internacional?
Em geral, tanto no fanzinato
brasileiro como no mundial, é muito similar a camaradagem de faneditores que
publicam HQs de autores do mundo todo para mostrar mais versatilidade e ampliar
a rede mundial de trocas de idéias e expressividades artísticas (que é o
propósito dos fanzines, que justamente não visando lucro, auxiliam nesta
fraternidade em que não se objetiva a competição). E tudo, lembrando, antes da
Internet. Mas com o advento dela, também se migrou para zines em pdfs, ou blogs
(uma mescla, a meu ver, de um fanzine mixado a diário pessoal). Os quadrinhos,
décadas passadas, não eram muito bem vistos no mundo todo, com certa exceção à
França, mas principalmente ao Japão, cujo preconceito lá era o menor (a meu
ver, porque o ideograma, por ser desenho, mantinha o mesmo valor conceitual que
o quadrinho, diferentemente para nós e a letra fonética ocidental, que era tida
como de maior importância, em detrimento ao desenho). Porém, tudo foi se
modificando, e na atualidade, mesmo no Brasil, os quadrinhos são melhor valorizados
(como os fanzines), mas graças, claro, à ampliação de pesquisas na área
(contrariando a visão política atual brasileira em que se desvalorizam a
pesquisa e a universidade). Assim, embora os mercados de HQs no exterior (EUA,
Europa e Japão) sejam grandes, o fanzinato ainda existe como uma espécie de
válvula necessária para todos aqueles que desejam se publicar e com liberdade,
sem esquecer o que eu disse: com fraternidade!
4) Qual a
diferença, na produção de material underground, antes e depois do advento
da internet?
Tal qual o disco de
vinil, que no Brasil foi escorraçado durante o advento dos CDs, e agora
retorna, o quadrinho e principalmente o fanzine, no papel, passa e volta a ter
tanto valor (ou mais) quanto o fora no passado. Com relação ao underground
não penso ter havido mudança, mas em relação aos temas em geral, parece terem se
ampliado, com muito mais autores e agora autoras mostrando suas artes, e os
fanzines aparecendo melhor, tanto no papel, como em redes sociais (eu posto
alguns fanzines meus no facebook). Mas, claro, ainda penso que no papel eles
são mais apreciados, tanto pelos que os leem, como pelos que os elaboram,
justamente devido à razão dos zines terem muita afinidade com o labor pelas
mãos e com o material físico (papel). Outro fator que se ampliou: feiras e
eventos de fanzines, alguns acoplados a eventos de HQs, como o TCAF -
Toronto Comic Arts Festival, que tem um anexo para autores de fanzines e
independentes e aqui no Brasil, o Ugrapress e a Feira Plana, que
trazem publicações alternativas. Desta forma, se pensávamos que os zines de
papel sumiriam, ao contrário, aumentaram em quantidade e alcance (muito também
graças a quadrinhistas e fanzineiros que adentraram as escolas e faculdades e
aplicam aos alunos os quadrinhos e zines).
5) Em 2007 você ganhou
o 19º Troféu
Hq Mix na categoria de "melhor tese de doutorado" por sua
pesquisa "As histórias em quadrinhos como
informação imagética integrada ao ensino universitário",
defendida na Universidade de São Paulo. O que esse prêmio
representa para o mundo acadêmico e sobretudo no mundo das
histórias em quadrinhos?
Como respondi numa das
anteriores, as pesquisas vêm aumentando gradativamente no Brasil, acerca das
artes dos quadrinhos e fanzines. O pioneirismo vem das décadas de 1970 e 80,
mas grassaram as pesquisas de 1990 em diante com muitos TCCs, dissertações de
mestrados e teses de doutorado, ajudando, invariavelmente (aliadas às apresentações
em congressos) a aumentar o arcabouço de pesquisa e divulgação da importância
da 9ª Arte e dos fanzines. Minha tese veio nesta esteira, e descobri nela a
justificativa-mór que daria o aval aos quadrinhos: os desenhos são lidos
distintamente em nosso cérebro, como arte, impulsionando a inteligência
criativa que interage com a racional (que lê fonemas e sequencializa tudo). Os
quadrinhos, por mixarem desenhos, narrativas elípticas e textos fonéticos
trazem este conjunto que “retroalimenta” os hemisférios cerebrais de uma
maneira excepcionalmente amplificada e distinta da exclusiva obtenção
cartesiana de informações. E note que o álbum teórico em quadrinhos
“Desaplanar” de Nick Sousanis (que já esteve no Brasil num dos congressos de
HQs da USP), fruto de sua tese de doutoramento em forma de HQ realizada nos EUA,
traz esta teoria de que as histórias em quadrinhos são um estímulo diferenciado
e amplificador de uma visão estreitada e tradicional, tal como minha tese
trazia (só que antes da dele, e diferenciando-se em que a minha tinha um aporte
baseado nas pesquisas da ciência cognitiva realizadas na época, porém sem
desmerecer a de Sousanis, que é louvável e que amplifica com outras modalidades
de percepção o que eu havia desenvolvido na minha pesquisa). Ou seja, minha
tese realmente foi pioneira e veio antes da pesquisa norte-americana e devido
ao ineditismo e alcance, teve uma premiação justa e merecida (que aliás, me
pegou de surpresa), sem jactância de minha parte, pois só eu sei como sofri
para, no terceiro ano da elaboração da tese, chegar a essa “equação” que
resultou em meu desvendamento da importância das HQs à mente humana (e em
especial como uso para a universidade), e que levou mais um quarto ano para eu
melhor desenvolvê-la e finalizá-la – aos trancos e barrancos, incluindo eu
lidar ao mesmo tempo com um acidente ocorrido com meu pai que havia quebrado sua
perna e em paralelo eu dar assistência a ele!
6) Fale sobre o
Observatório de Histórias em Quadrinhos da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo na qual
você é membro.
O antigo “NPHQ – Núcleo
de Pesquisa de Histórias em Quadrinhos”, que foi gerado no final da década de
1970 por pioneiros como os profs. Álvaro de Moya, Antonio Luis Cagnin,
Waldomiro Vergueiro e Sonia Luyten, e na atualidade denominado de “Observatório
de HQ” tem sido primordial para manter a pesquisa dos quadrinhos, em especial
na ECA – USP, onde ele se baseia. Reúne pesquisadores reconhecidos, bem como
estudantes de graduação e pós, amantes da arte, e de várias áreas acadêmicas (e
não só de pessoas da USP, mas de outras instituições). A cada reunião mensal há
uma apresentação acadêmica (de alguém que defendeu TCC, mestrado ou doutorado
acerca de HQs e afins) e a continuidade de estudo de um livro teórico que
aborde as histórias em quadrinhos em que um dos membros apresenta explicando um
capítulo do livro estudado. Em meio a isso, houve outros projetos, como o de
entrevistas com autores e pesquisadores da Nona Arte (alguns que já faleceram,
como Ruy Perotti, na qual esteve presente), dentre outros projetos atuais, como
o agora anual Congresso Internacional de Histórias em Quadrinhos. Portanto, um
grupo essencial de pesquisa e aberto a todos, sob coordenação do professor
Waldomiro Vergueiro.
7) Como andam atualmente as
produções de HQs no Brasil e existe mercado para esse tipo de mídia?
Não consigo mais
acompanhar, faz tempo! Os de super-heróis, eu parei já há anos, só adquirindo
um ou outro, pois as peripécias que as editoras fazem para vender têm me
irritado muito, pois descaracterizam personagens e fingem dar complexidade, muitas
vezes, em roteiros que não têm profundidade. Exceções, claro, principalmente
aos autores ingleses como A. Moore e G. Morrison e alguns outros poucos. Não tenho
o hábito de ler mangás, pois não aprecio a estética da arte da figura
estilizada humana deles (embora goste dos cenários e uso de retículas). Do
europeu também vejo uma massificação e embelezamento vazios. No Brasil tem
havido um aumento absurdo de títulos e autores e muitos com qualidade, mas
também não tenho como acompanhar. Aprecio trabalhos autorais como os do Laudo,
Edgar Franco e Henrique Magalhães e vez ou outro cai na minha mão um álbum como
a HQ “Carolina”, sobre uma mulher negra que foi um dos grandes fenômenos
literários do Brasil na década de 1960, mas desconhecida por nós, em geral. O
álbum tem autoria de Sirlene Barbosa e João Pinheiro que chegaram a ser
laureados neste ano no festival de Angoulême na França! Dos fanzines, os
incentivos de Alberto Souza (o Beralto) com seus alunos do Instituto Federal
Fluminense (IFF) que criam HQs e fanzines temáticos e criativos, e o fanzine
“Gibilândia” de Roberto Guedes que publica histórias em quadrinhos de autores
consagrados, mas inéditas no Brasil, bem como o incrível “QI” de Edgard
Guimarães que se mantém excepcional com muitas informações sobre HQs e fanzines
e seção de cartas enriquecedoras. Fico sempre atento para conhecer algum
fanzine ou HQ alternativos de novos autores em que vejo qualidades ímpares, afora
os eventos como a “Fanzinada” de Thina Curtis (homenageada recentemente com seu
nome dado à nova seção Fanzinoteka da Gibiteka de Barueri). Mas o
que eu gostaria de apontar é a diferença berrante entre as produções atuais e o
que havia nas décadas de 1980 e 1990 onde a salvação eram os fanzines: e hoje,
com os rumos valorosos atribuídos aos quadrinhos, a facilidade em se publicar e
a reverência dada à nona Arte em todas as áreas, não deixam as gerações atuais
saberem que tudo estava ao contrário em décadas passadas, com as HQs então
desvalorizadas e até tidas como perniciosas à mente humana! É impressionante
como tudo se inverteu...mas não se deve esquecer que foi graças aos autores e
pesquisadores que foram desbravando e conduzindo suas obras e pesquisas de encontro
com preconceitos e desconhecimentos que as áreas acadêmicas e a sociedade em
geral tinham. Foi por isto, inclusive, que muitos de nós tornamo-nos
pesquisadores também: para ajudar a mostrar que os quadrinhos não eram a mídia maléfica que “pintavam e desenhavam”, e pelo jeito, temos conseguido!
8) O que te motiva
a criar?
Aqui é interessante eu
tentar explicar. Voltando a meu passado, lembro que o que me prendia a atenção
nas leituras das HQs sempre foi o fantasioso, mas imbuído de reflexão. Na infância,
como eu dissera, desenhava dinossauros sem parar, e na adolescência, HQs de
heróis. Mas não me interessavam “batalhas” e sim, focos em temas de reflexão. Recordo-me
de uma HQ de Jim Starlin com o personagem Motoqueiro Fantasma, em que ela trazia
um embate, uma corrida na qual a Morte desafia o estranho herói, que para
vencê-la em 3 etapas, precisa usar de rapidez e inteligência, salvando uma
criança que a Morte coloca como prêmio e desafio (podem ver mais sobre isso em
meu blog: http://classichqs.blogspot.com/2013/03/a-morte-como-premio-motoqueiro-fantasma.html), além de outras HQs, não apenas de heróis reflexivo-filosóficas
que eu passei a ler no início da fase adulta, como as de Caza (e filmes de
ficção científica, como “2001”
e autores como Ray Bradbury e suas “Crônicas Marcianas”). Tudo isto, aliado a
livros de ciência quântica e de filosofias outras (e até esotéricas) como o
Tao, me motivavam a elaborar HQs poéticas com contextos reflexivo-filosóficas.
Mas o fantástico tinha que existir, desde que eu gostava de desenhar monstros,
dinossauros, super-seres e mundos outros (o fantástico de novo), e tudo sob audição
musical, preferencialmente rock (progressivo e metal melódico). Quanto mais eu
gostava das músicas, mais minha mente se comprazia em criar e entrava naturalmente
noutro estado semi-alterado de percepção criativa! Assim, ao ouvir músicas, eu
ia elaborando as frases e artes concatenando-as desenhadas diretamente à
nanquim no papel, até acabar a “obra” - uma HQ/Arte curta em que eu assinava ao
final, como uma pintura (pode-se assistir uma apresentação acadêmica minha em
que mostro como se dá o processo criativo, aqui: https://www.youtube.com/watch?v=k3d_xuog7Uk).
Há trabalhos meus publicados na Editora Marca de Fantasia (“Ternário M.E.N., e
o livro sobre minhas obras escrito pelo Elydio dos Santos Neto: “Os quadrinhos
poético-filosóficos de Gazy Andraus: 25 anos de quadrinhos e fanzinato”) e pela
Ed. Criativo, um sketchbook e o álbum de HQ “Homo Eternus” vol. 1 (já está
sendo preparado o vol.2).
9) Epitáfio.
O que estaria no meu? Algo
como “Assim como a criação e a arte se renovam, a vida aqui não morreu, mas
transcendeu para outro rumo e plano de (re)criação!”
10. Fale o que
quiser. Deixa o seu recado.
Penso que as pessoas
estão em níveis distintos de pensares pessoais, e por isto, para cada uma, a
vida, estando numa etapa específica, permite-lhes apropriarem-se de uma verdade
em que o ser humano pensa sua verdade ser igual a de todas os outros de sua
espécie. Mas como os quadrinhos distintos que perfazem sequencialmente uma
única história, porém de requadros desenhados com cenas em continuidade, cada
“verdade” de cada pessoa (ou seja, de cada quadrinho) é fechada e real em si
mesma, podendo ser distinta (como a imagem desenhada o é) da do outro humano
(ou quadrinho), mas que pode e deve se completar com cada uma das “verdades” de
cada um dos quadrinhos seqüenciados que aparecem na página, na história, como
um todo (e que representa, cada pessoa/quadrinho, uma verdade distinta coligada
à verdade de todos. Aliás, o mesmo se pode pensar dos estilos distintos de
desenhistas que perfazem uma HQ: são diferentes suas “verdades” de estilos, mas
válidas, todas!). Por isso, a “verdade” não é uma só e nem inteira por si
mesma, já que estamos todos juntos (e separados) completando um planeta, com as
variações que temos em todas as áreas. Desta feita, ninguém possui a verdade per
si completa, necessitando, ainda que não saiba ou não perceba, da outra
verdade (do outro) e do outro e do outro, sucessivamente, perfazendo, tal qual
uma página de HQ com os quadrinhos, as verdades, unidas se coadunando e deixando
um entendimento mais amplo e rico (como numa história em quadrinhos inteira). E
percebermos isso é o ponto-chave importante e essencial, dirimindo preconceitos
e construindo um “quadro” (uma HQ, uma revista) rico e completo. Do contrário,
cada quadrinho se pensará completo como uma única HQ, mas que não demonstra as
“cenas” em conjunto, falhando como um todo e se pensando suficiente (mas não o
sendo, a menos que seja lida a HQ inteira). O mesmo nas nossas vidas: todos vão
se completando e tecendo uma teia mais complexa e rica em simultaneidade (assim
também o sendo na pesquisa, confirmando como exemplo desta metaforização
explanada, a valorização dos quadrinhos, que foi finalmente desenvolvida e
agora apreciada em maior escala pela área acadêmica e social, graças a cada
“verdade” de cada um dos que os pesquisaram e uniram seus entendimentos, dando
uma forma ampla, complexa e inteligível a que todos pudessem perceber melhor a
real qualidade das histórias em quadrinhos). O mesmo se pode aplicar à vida em
geral. É isto!
Abraço e grato pela
entrevista, na qual pude recompor minhas idéias e atualizá-las!
Gazy, Goiânia-GO, início
de maio de 2019.
Pesquisador
e membro do Observatório de HQ (USP) e ASPAS - Associação dos Pesquisadores em
arte Sequencial; INTERESPE-Interdisciplinaridade e Espiritualidade na Educação
(PUC/SP) e Criação e Ciberarte (UFG). Autor de HQs e Fanzines de temático
fantástico-filosóficas.