terça-feira, 7 de abril de 2020

O OLHAR ARTÍSTICO DA MAYTE GUIMARÃES

Por: Diego El Khouri 

Conheci Mayte através  das conexões artísticas.  Logo depois soube que ela é sobrinha  do mais respeitado e engajado artista plástico goiano vivo: o Amaury Menezes.  Porém, Mayte criou dentro do seu universo artístico uma linguagem própria.  Abaixo  o bate-papo com essa artista das artes visuais e da literatura:



*Para conhecer a obra da artista eis o  link do seu site:

Instagram: 


1- Você  é filha de artista e sobrinha do Amaury Menezes, um dos mais respeitados artistas plásticos  de Goiás. De que forma eles foram importantes para que você mergulhasse nessa linguagem artística e desenvolvesse seu próprio trabalho?

De fato, eles foram os que mais me influenciaram a querer ser artista. Meu pai porque cresci o vendo trabalhar em seu ateliê, onde hoje é meu local de fazer arte, o Maytelier. Já meu tio-avô Amaury, passei a infância e parte da adolescência convivendo muito com ele, às vezes ia com meu pai em seu ateliê, ia às vernissages, sempre vendo sua arte e de amigos dele. De certa forma ele me influenciou na paixão pela aquarela, na qual é um mestre. 
Nos primórdios do meu aprendizado em desenho, um amigo que é artista plástico, Guilherme Eugênio, um dia disse que meu traço parece o do meu pai. De fato sempre fui admiradora do traço dele, por ser solto, livre, como procuro fazer o meu. Então creio que fui muito influenciada pela arte dos dois, mas claro, sempre respeitando meu próprio traço e minhas características.



2- Quais outros artistas te influenciaram nos primórdios de seu fascínio pela pintura? 

Um grande amigo artista plástico, Murah Lemos; artistas locais contemporâneos do meu tio Amaury, Saida Cunha, Roos, DJ Oliveira, outros artistas locais como G. Fogaça, Guilherme Eugênio, Mateus Dutra, Gustavo Rizério, meu professor de desenho e pintura Waldemar Lima, Simone Taya, Paulo Duarte. E claro, os clássicos como Da Vinci, Van Gogh, Renoir, Modigliani, Klimt, Kandinsky, Miró, Frida, dentre outros que tive oportunidade de conhecer em museus na Europa, Buenos Aires, Nova Iorque e Miami. 




3- O livro "Quarto de despejo: diário de uma favelada", escrito pela Carolina Maria de Jesus inspirou sua série "Cinderela Negra". De que forma essa obra da Carolina te impactou e por que uma série inspirada nessa autora?

Sempre fui fascinada pela história de vida das pessoas. Um dia me deparei com a sinopse do livro da Carolina na minha timeline do facebook, fiquei muito intessada. Consegui emprestado e já nas primeiras páginas fiquei estarrecida com a forma com que ela contava as dificuldades porque passara, e com o que ela relatava. Também vi que o tema é extremamente atual, a miséria vivida por milhões de pessoas, não só no Brasil, mas no mundo. Foi bem na época em que planejava produzir uma série pra minha primeira exposição em Goiânia. Daí surgiu a ideia de fazer a série baseada no livro, por ser um tema atual e por ter mexido comigo internamente, no sentido de olhar mais pro próximo e imaginar o que será que ele vive, por quais dificuldades ele passa, em que posso ajudá-lo, mesmo não tendo muito.



4- O que te motiva a criar?

O processo criativo pra mim é algo muito pessoal. Ele acontece sempre que sinto dor ou amor. Seja dor pelas mazelas mundanas, seja dor por processos internos, seja dor de amor, ou mesmo amor, não só o romântico, mas o amor cósmico, universal. Essa é minha mola propulsora pra criar. Também a vontade de mostrar pro mundo a minha visão sobre o que sinto, o que vejo, o (pouco) que compreendo do universo.



5- Como você vê a cena cultural e artística de Goiás?

Pergunta polêmica, risos. Considerando que consumo arte e cultura desde a infância, por estar em contato com meu tio Amaury, artista renomado em Goiás e no Brasil, desde criança, por ser filha de artista, e depois por gostar de arte e continuar a buscar por ela até hoje, vejo a cena cultural e artística goiana forte no sentido de ter muito artista bom fazendo arte e produzindo cultura, mas desvalorizada. Tanto no âmbito governamental quanto no âmbito pessoal, ou seja, das pessoas desvalorizarem os artistas locais, dando preferência ao que é de fora. Quando estudamos história da arte, não se fala muito em história da arte local, regional, mas sim a mundial. Então sinto que falta incentivo até mesmo das escolas, do governo em resgatar e mostrar nossas raízes culturais verdadeiras, que não são só a europeia, mas principalmente a indígena brasileira, a africana, a sul americana. Sendo assim, acho que valorizaremos ainda mais o que temos de bom e belo em Goiás. Por isso valorizo tanto meus amigos e amigas artistas, antes de valorizar estrangeiros. Eles me enriquecem muito.



6- Você também escreve poemas e prosas. Quais autores te influenciaram na literatura? Fale sobre sua escrita. 

Costumo dizer que sou escritora por atrevimento, pois não é minha graduação. Porém sempre gostei de escrever. Desde criança escrevo diários, cartas pra família. Sempre foi minha forma de externar o que sinto, pois sou tímida - era mais na infância -, e não lidava bem em demonstrar sentimentos oralmente, daí encontrei na escrita a maneira de colocar tudo pra fora, de forma poética. Minha avó paterna era poetisa, Teresa Godoy, que foi quem me inspirou a enveredar pelos caminhos da poesia. O primeiro poema que tenho registrado foi em 1991 ou 92, com uns nove ou dez anos. Os autores que me influenciaram e influenciam não são apenas da poesia, mas autores clássicos como Machado de Assis, Rubem Braga, Florbela Espanca, Fernando Pessoa, Victor Hugo, dentro outros. Autores locais também como minha avó Teresa Godoy, minha tia-avó Maria Rosa Fleury, Augusta Faro, Yeda Schmaltz, Leda Selma, Maria Lúcia Félix Bufáiçal, Adalberto de Queiroz. 




7- Como produzir arte em tempos tão sombrios?

  "Só a arte salva." Justamente por serem tempos sombrios é que devemos produzir arte, porque é através dela que amenizamos a dor causada pelos tempos sombrios. A arte nos afaga a alma, nos abraça e acaricia, fazendo-nos reviver em dias tão doloridos, diante de tanta crueldade vista mundo afora. A arte faz-nos enxergar o que não conseguimos ver às vezes por causa da dor. Por isso faço arte, pra me trazer de volta à vida colorida e bonita que existe no universo, mesmo com tanta feiura, desamor. Ainda que a arte seja vista como algo suplérfluo e desnecessário por muitos, continuo porque sei que ela e o amor que sinto por ela é que me farão passar por esse momento em que vivemos. 

8- Uma frase.

O amor e a arte salvam.



9- Próximos  passos.

Estou produzindo uma série nova chamada "Aflorou", que pretendo expor ainda esse ano. Tentando não sair do centro por causa dessa quarentena e esse vírus que está fazendo um estrago no mundo. Como bióloga às vezes perco a esperança, mas como artista, ela sempre ressurge das cinzas, como a fênix que sou. Planejando publicar meu primeiro livro solo de poesia também esse ano. 

10- Deixa um recado. Fale o que quiser.

Pessoas lindas e artistas do mundo, uni-vos contra os poderosos asquerosos que querem a todo custo nos escravizar e destruir a humanidade. Mas antes de mais nada, cada um deve mergulhar dentro de si mesmo, libertar-se de todas amarras impostas desde sempre e assim acabar com toda desigualdade, desamor, escravidão. 




sábado, 4 de janeiro de 2020

O POETA PAULO MANOEL RAMOS PEREIRA

Por: Diego El Khouri

"De que maneira escrever enquanto chovem bombas? "



Paulo Manoel Ramos Pereira é um poeta das ruas e livros, saraus e esquinas. Um bardo engajado e com um vasto conhecimento de arte e literatura. Sua paixão pela palavra transparece em seus versos e a forma como conduz seus passos tem a estética perspicaz e intensa da poesia. 
Rimbaud já dizia: A poesia não voltará a ritmar a ação; ela passará a antecipá-la. 

Adentrem nesse universo interessante da legítima poesia-corajosa-contemporânea-goiana:


01 - Quando você teve consciência de que a poesia fazia parte de sua vida e passou a elaborar seus primeiros versos?

A literatura, de modo geral, anteriormente ao desenvolvimento de uma consciência de vitalidade, sempre foi o motor distintivo e instintivo da minha existência. Lembro-me de diversas ocasiões, ainda na tenra infância ou na ingênua adolescência, em que a curiosidade quase fabril (me encanta do chão de fábrica da criatividade) em relação a um livro, a uma história, moldaram, apontaram sobremaneira aquilo que viria pela frente. Isso, naturalmente, apenas percebe-se em um momento posterior à conscientização do tom vital da literatura e da poesia em nossa vida. Pois bem, creio que deu-se no final do período adolescente, em que deixei a afinidade com os românticos de lado para conhecer os modernos, os contemporâneos, e ali garatujei os primeiros versos. Evidentemente, muito ruins.

2 - Quais autores fizeram sua cabeça nos primórdios de sua jornada no labiríntico  caminho das artes?

Como afirmei, por afinidades sentimentalistas, os românticos me fascinavam naquele início de pensamento poético. Ainda me fascinam, mas de outra maneira, que não merece ser exposta por ora. Mas, o que fez a minha cabeça mesmo, ou melhor, a desfez, ao primeiro contato mais apaixonado com os modernos, foi Manuel Bandeira. Sou grato a ele.

3 - Como você vê a cena poética goiana contemporânea?

Para mim, vai do modo que sempre esteve: não respira por aparelhos porque jamais descuida de ocupações paliativas ou emergenciais louváveis. Vejo com boníssimos olhos algumas iniciativas da prefeitura, que recentemente lançou mais de uma centena de autores de uma só vez, e com muito, muito carinho aquelas de particulares. Não é um momento interessante para mostrar-se apaixonado pelas artes, ocupado em fazê-las coletivamente eficientes, o que constitui com efeito uma “cena”. Mas, sim, temos esses loucos e loucas. Estão surgindo novas livrarias, novas editoras (e publicações) e novos eventos de arte pela cidade de Goiânia, o que me faz bastante feliz.

4 - Você participa do grupo de poesias intitulado Goiânia Clandestina. Grupo esse que já publicou uma antologia poética no ano de 2017 (assinou a revisão e edição  do livro ao lado do Mazinho Souza). Como anda esse grupo no momento e qual a contribuição mais importante que você apontaria para a cultura local?

É forçoso reconhecer que, em 2019, fizemos balanço do ano anterior e elaboramos propostas para o seguinte. Também é necessário perceber que não trata-se de um grupo imenso, ainda mais quando a barra pesa ou a coisa fica séria. De qualquer modo, capitaneado pelo Mazinho, ocorreu, em 2018, o Festival de Poesia Goiânia Clandestina, cuja extensão abarcou cinco meses, cinco eventos diferentes, inúmeros convidados, atividades e apresentações, de muito sucesso. Também fizemos a seletiva de autores para o segundo volume da Antologia Clandestina, que será lançada em 2020. São contribuições muito efetivas para a cultura local. Possuímos algumas novidades verdadeiramente editoriais, ainda em planejamento, para o ano que segue. Assim vai (para a frente, creio) o grupo.

* Arte da Capa: Gabi Rodrigues

5 - O que te motiva a criar? Mudou algo no processo criativo ao longo do tempo?

O impulso vitalício pela expressão reorganizada das palavras em via, naturalmente, de dizer aquilo que acho importante ser dito, de maneira própria. Muita coisa mudou em relação ao meu processo criativo no caminho de Tróia a Ítaca, não que cogite a finitude dele. Acredito que aprendi a racionalizar a forma (cujo significado já é racionalizante) e desentender a expectativa expressiva. Evidentemente, essas coisas vão mudando, você vai mudando, como quis Heráclito, certo? Falar muito desse tema incorre em revelar seus segredos aos outros ou, tanto melhor, a si mesmo.

6 - Você acredita no fim do livro impresso? O que é preciso ser feito para a juventude  passar a ter mais contato e prazer no ato da leitura?

De forma alguma. Sou bastante gutemberguiano e cultuo a palavra impressa, ao que acho uma perda de tempo a discussão. Para o contato da juventude ser maior e melhor com a leitura, é necessário não submetê-la, a partir da imposição de deveres, mas encantá-la, por meio da possibilidade de livre conhecimento do mundo a partir do aprendizado das páginas. É claro, são palavras gerais e demasiado apaixonadas para uma problemática minuciosíssima, que remete às mazelas socioculturais mais basais da nossa sociedade. O que pode ser feito, creio, começa em Paulo Freire e outros grandes nomes que tanto dedicaram-se à educação e ao Brasil, essas causas quase perdidas, fronts cruéis.

7 - Atravessamos um período complicado. Tentativas de censuras a todo o momento e uma ameaça constante de um autoritarismo extremamente agressivo em toda a América Latina. De que forma produzir literatura em um momento tão terrível no mundo?

De que maneira escrever enquanto chovem bombas? Sem a ilusão de que a batalha está aí para ser vencida, mas portando a certeza de encontrar-se na trincheira certa, ao lado das pessoas certas. Então, cumprindo, para mim, um dever moral, pessoal de resistência àquilo reacionário. São tempos verdadeiramente sombrios, que inspiram apreensão, descompasso, mas a literatura jamais desapareceu, não desaparecerá agora, e sempre serviu de espelho de sua época. À historiografia, à literatura, não passará incólume nosso tempo, por maneiras que não posso profetizar. Devo esclarecer que não penso nesses termos teleologicamente, jamais, nem na supermoralização das artes.

8 - Um autor(a) que você recomendaria.

Recomendo os clássicos, gregos e romanos, porque temos muito a aprender. Alguém disse que o futuro da poesia talvez esteja em Homero. Não é uma inverdade, em alguns aspectos. Em um nome, Lucrécio.

9 - Uma frase.

“Portanto, se a tua mão ou o teu pé te escandalizar, corta-o, e atira-o para longe de ti.” Mateus 18:8.

10 - Para finalizar essa entrevista uma poesia de sua autoria.

Aí vai um soneto, ainda sem título, mas prontíssimo.

*

E portanto administro
o peito que é feito
de cinzas (em respeito
às brasas do sinistro

passado). Ali registro
a vergonha, os efeitos
da infâmia, os defeitos
de Cristo. Os administro

porque a rigor eu quero
os suplícios todos
para mim. (Tenho esmero,

uma cama de lodo,
e o verso bem sincero:
não sou parte do todo?)