sábado, 4 de janeiro de 2020

O POETA PAULO MANOEL RAMOS PEREIRA

Por: Diego El Khouri

"De que maneira escrever enquanto chovem bombas? "



Paulo Manoel Ramos Pereira é um poeta das ruas e livros, saraus e esquinas. Um bardo engajado e com um vasto conhecimento de arte e literatura. Sua paixão pela palavra transparece em seus versos e a forma como conduz seus passos tem a estética perspicaz e intensa da poesia. 
Rimbaud já dizia: A poesia não voltará a ritmar a ação; ela passará a antecipá-la. 

Adentrem nesse universo interessante da legítima poesia-corajosa-contemporânea-goiana:


01 - Quando você teve consciência de que a poesia fazia parte de sua vida e passou a elaborar seus primeiros versos?

A literatura, de modo geral, anteriormente ao desenvolvimento de uma consciência de vitalidade, sempre foi o motor distintivo e instintivo da minha existência. Lembro-me de diversas ocasiões, ainda na tenra infância ou na ingênua adolescência, em que a curiosidade quase fabril (me encanta do chão de fábrica da criatividade) em relação a um livro, a uma história, moldaram, apontaram sobremaneira aquilo que viria pela frente. Isso, naturalmente, apenas percebe-se em um momento posterior à conscientização do tom vital da literatura e da poesia em nossa vida. Pois bem, creio que deu-se no final do período adolescente, em que deixei a afinidade com os românticos de lado para conhecer os modernos, os contemporâneos, e ali garatujei os primeiros versos. Evidentemente, muito ruins.

2 - Quais autores fizeram sua cabeça nos primórdios de sua jornada no labiríntico  caminho das artes?

Como afirmei, por afinidades sentimentalistas, os românticos me fascinavam naquele início de pensamento poético. Ainda me fascinam, mas de outra maneira, que não merece ser exposta por ora. Mas, o que fez a minha cabeça mesmo, ou melhor, a desfez, ao primeiro contato mais apaixonado com os modernos, foi Manuel Bandeira. Sou grato a ele.

3 - Como você vê a cena poética goiana contemporânea?

Para mim, vai do modo que sempre esteve: não respira por aparelhos porque jamais descuida de ocupações paliativas ou emergenciais louváveis. Vejo com boníssimos olhos algumas iniciativas da prefeitura, que recentemente lançou mais de uma centena de autores de uma só vez, e com muito, muito carinho aquelas de particulares. Não é um momento interessante para mostrar-se apaixonado pelas artes, ocupado em fazê-las coletivamente eficientes, o que constitui com efeito uma “cena”. Mas, sim, temos esses loucos e loucas. Estão surgindo novas livrarias, novas editoras (e publicações) e novos eventos de arte pela cidade de Goiânia, o que me faz bastante feliz.

4 - Você participa do grupo de poesias intitulado Goiânia Clandestina. Grupo esse que já publicou uma antologia poética no ano de 2017 (assinou a revisão e edição  do livro ao lado do Mazinho Souza). Como anda esse grupo no momento e qual a contribuição mais importante que você apontaria para a cultura local?

É forçoso reconhecer que, em 2019, fizemos balanço do ano anterior e elaboramos propostas para o seguinte. Também é necessário perceber que não trata-se de um grupo imenso, ainda mais quando a barra pesa ou a coisa fica séria. De qualquer modo, capitaneado pelo Mazinho, ocorreu, em 2018, o Festival de Poesia Goiânia Clandestina, cuja extensão abarcou cinco meses, cinco eventos diferentes, inúmeros convidados, atividades e apresentações, de muito sucesso. Também fizemos a seletiva de autores para o segundo volume da Antologia Clandestina, que será lançada em 2020. São contribuições muito efetivas para a cultura local. Possuímos algumas novidades verdadeiramente editoriais, ainda em planejamento, para o ano que segue. Assim vai (para a frente, creio) o grupo.

* Arte da Capa: Gabi Rodrigues

5 - O que te motiva a criar? Mudou algo no processo criativo ao longo do tempo?

O impulso vitalício pela expressão reorganizada das palavras em via, naturalmente, de dizer aquilo que acho importante ser dito, de maneira própria. Muita coisa mudou em relação ao meu processo criativo no caminho de Tróia a Ítaca, não que cogite a finitude dele. Acredito que aprendi a racionalizar a forma (cujo significado já é racionalizante) e desentender a expectativa expressiva. Evidentemente, essas coisas vão mudando, você vai mudando, como quis Heráclito, certo? Falar muito desse tema incorre em revelar seus segredos aos outros ou, tanto melhor, a si mesmo.

6 - Você acredita no fim do livro impresso? O que é preciso ser feito para a juventude  passar a ter mais contato e prazer no ato da leitura?

De forma alguma. Sou bastante gutemberguiano e cultuo a palavra impressa, ao que acho uma perda de tempo a discussão. Para o contato da juventude ser maior e melhor com a leitura, é necessário não submetê-la, a partir da imposição de deveres, mas encantá-la, por meio da possibilidade de livre conhecimento do mundo a partir do aprendizado das páginas. É claro, são palavras gerais e demasiado apaixonadas para uma problemática minuciosíssima, que remete às mazelas socioculturais mais basais da nossa sociedade. O que pode ser feito, creio, começa em Paulo Freire e outros grandes nomes que tanto dedicaram-se à educação e ao Brasil, essas causas quase perdidas, fronts cruéis.

7 - Atravessamos um período complicado. Tentativas de censuras a todo o momento e uma ameaça constante de um autoritarismo extremamente agressivo em toda a América Latina. De que forma produzir literatura em um momento tão terrível no mundo?

De que maneira escrever enquanto chovem bombas? Sem a ilusão de que a batalha está aí para ser vencida, mas portando a certeza de encontrar-se na trincheira certa, ao lado das pessoas certas. Então, cumprindo, para mim, um dever moral, pessoal de resistência àquilo reacionário. São tempos verdadeiramente sombrios, que inspiram apreensão, descompasso, mas a literatura jamais desapareceu, não desaparecerá agora, e sempre serviu de espelho de sua época. À historiografia, à literatura, não passará incólume nosso tempo, por maneiras que não posso profetizar. Devo esclarecer que não penso nesses termos teleologicamente, jamais, nem na supermoralização das artes.

8 - Um autor(a) que você recomendaria.

Recomendo os clássicos, gregos e romanos, porque temos muito a aprender. Alguém disse que o futuro da poesia talvez esteja em Homero. Não é uma inverdade, em alguns aspectos. Em um nome, Lucrécio.

9 - Uma frase.

“Portanto, se a tua mão ou o teu pé te escandalizar, corta-o, e atira-o para longe de ti.” Mateus 18:8.

10 - Para finalizar essa entrevista uma poesia de sua autoria.

Aí vai um soneto, ainda sem título, mas prontíssimo.

*

E portanto administro
o peito que é feito
de cinzas (em respeito
às brasas do sinistro

passado). Ali registro
a vergonha, os efeitos
da infâmia, os defeitos
de Cristo. Os administro

porque a rigor eu quero
os suplícios todos
para mim. (Tenho esmero,

uma cama de lodo,
e o verso bem sincero:
não sou parte do todo?)


2 comentários:

  1. Parabéns, gostei muito da entrevista. Realemte o futuro da poesia está mesmo nos clássicos. Também acredito.

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  2. Olá Diego,cheguei ao teu blog por circunstância da navegação; oficialmente, sou poeta há três anos.
    Passa no meu blog e conheça os meus poemas. Este aqui surgiu de Acrilic on Cavas de Renato Russo.
    Abração, Francisco.
    https://chicosbandrabiscando.blogspot.com/2019/07/aquarela-zodiacal.html?m=1

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