(Por Diego EL Khouri)
Wagner Teixeira, um dos grandes artistas alternativos do Brasil, com seu Anormal zine, nos revela sua faceta totalmente psicodélica e delirante revelando sua poesia e até mesmo seu íttimo de forma avassaladora e intesa. Um verdadeiro deus (ou demônio) das palavras. Mais um zineiro que conheci no Rio de janeiro em 2011.
Numa luta em aproximar artistas e fortalecer a cena, eu entrevistei esse grande louco poeta:
Funcionário de um órgão publico e fanzineiro. “Dentro do sistema e ferindo o próprio sistema”, como você mesmo diz. Explique essa contradição.
Não há contradição, na verdade. Quando as pessoas pensam em revolução, geralmente elas a vêem de fora pra dentro, a solução seria negar completamente o sistema vigente e mudar tudo de uma vez. Não acredito que isso funcione. Porque nada muda se as pessoas não mudarem. Não adianta mudar o sistema se a mentalidade dos indivíduos continuar a mesma. Este final de semana dei uma volta no fim da tarde pela tão decantada praia de Copacabana. Parecia um lixão. Era difícil caminhar sem pisar nos restos deixados pelos preguiçosos que não podem recolher suas porcarias em sacolas e deixar nas inúmeras lixeiras espalhadas pela orla. Pra mim essa gente é tão cretina e hipócrita quanto os governantes que nada fazem pela sociedade. São essas pequenas atitudes que vão se somando e virando uma bola de neve gigante. A criança aprende desde cedo que pode jogar lixo na rua e deixar pra outros limparem, daí ela cresce, assume um cargo importante e continua com a mesma mentalidade: "vou deixar que os outros limpem as minhas merdas." É sempre culpa dos outros, nunca é nossa. Pra mim, a revolução tem que vir de dentro pra fora. Tem que mudar a mentalidade, a postura. Desta forma, o sistema injusto e desigual começa a ruir, de forma natural e inevitável.
De que forma o fanzine chegou em sua vida?
Desde criança faço minhas próprias revistas, baseado nas revistas de banca. Eu as fazia nos cadernos de escola, durante as aulas, e mostrava pra outros colegas que também transgrediam seus cadernos. Geralmente fazíamos paródias de revistas de super heróis e infantis. Mas só descobri o universo “profissional” dos fanzines anos mais tarde, através do QI, produzido pelo Edgard Guimarães, que trazia dezenas de zines divulgados em suas páginas. Fiquei maravilhado ao descobrir que tanta gente publicava de forma independente, até então desconhecia o conceito de fanzine e achava que só as grandes editoras produziam e distribuíam. Percebi que existia uma rede subterrânea de troca de material que se estendia pelo Brasil e pelo mundo, e decidi: tenho que participar disso. E aqui estou até hoje.
Sua construção poética está baseada nos heterônimos. Nomes como Reverendo W. Van Baco, Fenilisipropilamina Man, KWY, Juzé da Ciuva aparecem constantemente e cada um com uma característica própria. Cada parte desses personagens constroem o que seria Wagner Teixeira?
Na verdade, vão muito além disso. Posso dizer que, quando crio, eu não me basto. Pra mim, não é suficiente expor minhas opiniões e sentimentos pessoais. Potencializar ao máximo minha capacidade criativa é essencial quando produzo. Assim, apenas contar uma história é pouco. Eu preciso também criar um contador de histórias, com sua personalidade e visão de mundo próprias. Aprendi a fazer isso com o mestre Borges. Meu campo é a ficção, mas ficções não são fugas da realidade, são mundos paralelos que interagem com o real. O imaginário e o verídico se inter-influenciam no final. Desta forma, busco meus autores-personagens no exterior e também nas profundezas do meu ser. No meu íntimo, procuro aquele personagem oculto, aquele nosso “lado B” que não gostamos, que não convém revelar ao mundo. Mas no momento de criar é preciso soltá-lo e deixá-lo tomar o controle. Enquanto criadores, precisamos provocar não só os leitores, mas a nós mesmos. Resumindo, no fim das contas, os heterônimos são o resultado da soma: eu + os outros.
Você morava em Minas Gerais e devido ao trabalho teve que se mudar para o Rio de Janeiro. Há diferenças na forma de produzir cultura alternativa em cada estado ou o underground no país todo é semelhante? Difícil dizer se há diferenças, porque o underground não tem fronteiras. As pessoas que possuem preferências e atitudes similares se aproximam, independente de suas posições geográficas. Antes da internet, todos já se conectavam através de cartas, havia uma intensa troca de demo-tapes, VHS, zines e outros materiais. Com a internet, as distâncias encurtaram ainda mais. Talvez o que diferencie algumas cenas seja algumas pessoas, alguns iluminados, que produzem tanto e com tanta disposição que acabam inspirando todos ao seu redor a também produzirem, e assim cria-se um movimento poderoso naquele lugar e naquele momento. Por exemplo, na década de 80, a então pacata e monótona Belo Horizonte de repente se transformou na capital brasileira do Metal, quando várias bandas começaram a se formar e influenciar o surgimento de outras. Lembro que na primeira metade dos anos 2000, houve uma explosão de fanzines em Fortaleza, um movimento fortíssimo. Mas talvez o único ponto em que haja uma cena diferenciada de forma geral seja em São Paulo, devido ao grande número de eventos underground que ocorrem todas as semanas, o que acaba aproximando e estimulando os produtores locais. E nem podia ser diferente, São Paulo tem quase 20 milhões de habitantes, tem que haver agitadores num formigueiro desses (risos).
O Anormal zine que produz é uma “ bela bagunça poética”. O que mais esse fanzine nos aguarda?
Boa pergunta, também não sei. Às vezes, ele me surpreende também. O Anormal é totalmente inspiração. Não forço sua produção, só o edito quando as idéias me atacam e me obrigam a desenvolvê-las. O que eu sei é que o formato da próxima edição será diferente de todas as outras já lançadas. A tendência é que o Anormal seja cada vez mais provocativo e inusitado.
O Anormal zine entrevistou recentemente o Anormal zine. Como conseguiu esse furo?
(risos) não foi fácil, o editor do AZ é sabidamente um cara difícil e canalha. Mas depois de muita negociação, extorsões e ameaças de morte, ele acabou cedendo.
Fale sobre o fanzine Coletivo e o que te levou a criar esse novo projeto.
A idéia é muito simples: união! Produzir um zine é um ato muitas vezes solitário, a maioria dos zineiros faz tudo sozinho, desde a criação, até edição, distribuição e divulgação. Acho que toda essa trabalheira acaba por fazer muita gente desistir. Quando criamos algo coletivamente, um puxa o outro, quando alguém tropeça, outro o apara, o ânimo de um pode ser o incentivo que o outro precisava. O projeto é esse, somar esforços e habilidades de quem tem um mesmo objetivo, o de publicar sua arte. Mais sobre ele pode ser visto no blog: http://coletivozine.blogspot.com . Está aberto para quem quiser participar, pode me procurar:nyhyw@yahoo.com.br
Existe censura na cultura independente ou ela de fato está alheia a esse tipo de intervenções?
Existe censura em tudo, e na cultura independente nem de longe é diferente. O mais incrível é que os próprios produtores independentes se auto-censuram. Muita gente talentosa fica preocupada se sua obra não estaria pesada demais, transgressora demais, e acabam por limar muitas ótimas idéias para serem mais aceitos, e não gerar muitas críticas. É uma pena, mas, enfim, é uma escolha pessoal. O grande problema acontece quando organizadores de eventos, antologias ou qualquer tipo de projeto coletivo, ou pessoas que afirmam divulgar o cenário independente acabam por boicotar obras que considerem chocantes ou inusitadas demais. Isso acontece, mas certamente a censura é muito pior na grande indústria.
Como teve a brilhante idéia de criar quadrinhos sem desenhar, onde cada personagem é apenas palavras indicando suas falas, seus movimentos e características físicas?
Como se diz, a necessidade é a mãe da invenção. Eu tive essa idéia simplesmente porque queria fazer quadrinhos, mas não sei desenhar (risos). Isso mostra também uma visão de que a forma não deve sobressair sobre o conteúdo. É frustrante quando lemos uma HQ maravilhosamente desenhada, mas com um roteiro pífio.
O que você tem a dizer para a garotada que quer criar um fanzine e não sabe como fazer?
Criar um fanzine não tem nenhum mistério, meu primeiro fanzine foi uma folha A4 dobrada ao meio, com textos escritos à mão e colagens feitas através de recortes de jornais e revistas. Um fanzine pode ser super simples e ter um excelente conteúdo. Assim, é o que eu digo sempre: NÃO TEM DESCULPA PRA NÃO FAZER. Depois de pronto, é só procurar outros fanzineiros pela internet ou por meio de zines de divulgação, como o QI, que citei anteriormente, e ingressar nessa rede. Vale a pena.
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