quinta-feira, 7 de julho de 2011

ENTREVISTANDO A WILD BLUMEN


(Por Diego EL Khouri)

Pseudônimo de alguém que já viveu intensamente e chegou à última temporada aqui na terra, A  Wild foi guitarrista pioneira em bandas punks quando isso estava longe de virar moda entre globais. Foi produtora e empresária além de promotora de eventos. Também na contra cultura, foi atriz de teatro,  compositora, poetisa, escritora, tradutora e intérprete nos idiomas inglês, italiano, alemão e espanhol. Cursou filosofia, sociologia, psicologia e jornalismo sem ter se graduado, graduando-se por necessidade de concurso público apenas em letras inglês/português, sempre mais fiel ao estilo fanzine que à literatura, outra de suas paixões. Especializou-se em inglês, psicopedagogia, redação jornalística, e iniciou Mestrado em educação em Língua Estrangeira interrompido por graves problemas de saúde. Sempre atuou em voluntariado além de empregos convencionais. Inquieta, ativista, e polêmica, continua incluindo na rede pública e ONGs o incentivo a arte sem preconceitos através de fanzines e blogs."
A Wild Blumen 
 1-   Nessa sociedade onde se valoriza as coisas temporais e não atemporais, onde a filosofia é vista com olhos tortos e a poesia  de forma marginalizada e excluída, como acreditar mesmo assim nesse mundo tecnocrático, pragmático, frio e insensível?
       Olha, isso eu não aprendi. Na verdade eu me esforço em entender as mensagens de meus ídolos para acreditar em milagres, acreditar no sonho, acreditar e acreditar, enfim, a única coisa que levo desta última temporada é que os poetas, os sensíveis, tentaram alertar os materialistas para o lado mais artístico, metafísico e mágico, mas a mente estreita da maioria de medíocres prefere a crença no crediário e na alegria de um segundo de aquisição de bugigangas ou a adulação de presentinhos que quando cobrados tem um preço salgado.

      2-  Como você vê o boom do rock na indústria fonográfica e a distorção da ideologia punk nas mídias televisivas?
      Tudo acaba fatalmente caindo no banal. Com o punk isso aconteceu muito cedo. Quando nós temos uma aspirante a capa da playboy estragando o show de um ex- Ramone com o consentimento dele mesmo, isso é o último selo do apocalipse! Hoje tudo o que um dia foi underground está servindo de pretexto para desesperados por aparecer e que não tem talento, criatividade, originalidade, então só podem utilizar o que os outros (principalmente mortos que não podem reclamar) originais e talentosos fizeram para se auto promover de maneira deturpada.
     3- Fale sobre seu trabalho de tradutora  e dos livros que te inspiram a criar.

   Eu  sempre traduzi porque fui alfabetizada em inglês. Meu pai era muito culto, embora excêntrico, um homem que saía da Paulista pra ficar numa chácara no meio do nada em Eldorado - SP. Ele aprendeu 5 idiomas, dos quais eu domino apenas 3. Mas como o rock é mais inglês e o inglês americano, e eu vivi muito com estudantes de intercâmbio indo e vindo e hoje todo mundo tem noções de inglês até em escola pública, mas nos anos 80 e 90 só uma minoria dominava o idioma, e assim eu era iludida e traduzia de graça e servia de intérprete para os que hoje escrevem errado até em português, se achando o Shakespeare. Quando percebi que tinha sido sumariamente deletada das panelinhas ''underground'' até por pessoas que viviam na minha casa e eu considerava como familiares, e me vi tendo que mudar de emprego (fui escrava em banco) comecei a traduzir muitos manuais técnicos, e pela facilidade com que fazia isso logo consegui prestar consultoria, e aí cursei mais um curso, o único em que me graduei para prestar concurso, e assim consegui o título oficial de tradutora. Amo traduzir porque eu aprendo de tudo um pouco: medicina, veterinária, leis de vários países, culturas, e fico sabendo de detalhes das biografias. A mais emocionante pra mim, sem dúvida, foi a do Joey escrita por seu irmão Mitch. Agora vou receber a do Marky (Ramone) e a do Lemmy (motörhead). Como nunca consegui publicar, assim que puder lanço num blogspot grátis pra quem quiser ler.

      Inspiração para criar meus contos, poemas e crônicas são de pessoas que encontro pela vida, situações que elas desabafam e outras idéias com as quais sonho à noite.
       4- Por que a mídia e colegas de profissão te vêem com um certo receio e por qual o motivo sua presença causa polêmica ?
     Toda mulher que não abaixar a cabeça como vaquinha de presépio já sabe que vai pagar um preço alto por isso. O Mick Jagger tem quase setenta anos e é considerado um Deus do rock. A Rita Lee, tão original e até mais batalhadora por ser mulher na América do Sul e bem mais nova, sofre deboche simplesmente pela misoginia que o brasileiro adora cultivar. Por pura falta de inteligência. É fácil agredir uma mulher mesmo que ela não ouse fazer nada. Quando além de fazer alguma coisa original e criativa, ela não aceita ter suas idéias usadas sem o devido crédito, ou se juntar a um grupo discriminatório, elitista e preconceituoso e ainda denunciar este tipo de atitude, o preço é a execração pública. Eu já sabia disso quando subi pela primeira vez no palco da praça do rock com uma guitarra. Minha alma punk não está aqui no mundo fazendo hora extra em busca de elogio, mas sim para incomodar até o fim. A humanidade matou Jesus Cristo, matou John Lennon, Mahatma Ghandi, porque o brasileiro que é o povo mais discriminatório e preconceituoso que existe deixaria de atacar covardemente uma mulher? Os antes colegas de underground hoje só valorizam os que tem algum tipo de repercussão, criam uma história onde os pioneiros são aqueles que eles quiserem, dando espaço a quem conseguiu (sabe-se lá como) algum lucro e passou a agir de maneira elitista. Neste ambiente não tem lugar para a verdade, a solidariedade, amizade, a atitude e coisas assim.

     5- O que a contracultura nos trouxe e o que ela nos tirou em termos de fazer arte? 
      Ela nos trouxe os melhores músicos, poetas, grafiteiros (os Da Vinci de hoje), tatuadores (os Toulouses de hoje), enfim trouxe o futuro. Mas, os enviados de Satã simplesmente se utilizaram dos mais medíocres que podem pagar por um espaço na mídia e os varreram para baixo do tapete. A mesma contracultura que trouxe ao mundo Cecília Fidelli - a maior poetisa do underground, Laerçon J Santos - o mais original cartunista, roteirista, músico e poeta, para citar só dois dos meus favoritos, também trouxe o João Gordo e sua ganância e mais hordas de mau caráter. Isso nos tirou o que ela trouxe. Uma pena.

    6-  Pra você o que é a vida?

     Pois é, mesmo no momento em que me despeço da vida eu ainda não entendo a vida. Um dia eu disse a Cecília, em resposta a um poema (estas brincadeiras tão gostosas que só a internet foi capaz de nos dar) que falava sobre paixão pela vida, que esta paixão é a pior que existe, pois a vida é o objeto de paixão mais traiçoeiro, amar a vida é levar chifre! Eu adorava assistir um seriado chamado My name is Earl, em que um cara descobria que existia o conceito de Karma e tentava consertar tudo de ruim que fez. Só posso ver a minha vida como um karma pra lá de ruim! Vir ao mundo causar aborrecimento por não aceitar o que está errado.
     7- Como você, que participou tão ativamente da cena alternativa nos anos setenta, vê  o mundo underground hoje? É tudo fabricado ou ainda existe arte de qualidade como outrora?

    Participei da cena alternativa até ser expulsa agora, por pessoas que eu levei ali pela mão. O underground dos anos 70 e até o final dos 80 era uma irmandade, com muito respeito, até um certo carinho. O de hoje é corporativo. Você não pode ser mulher, não pode morar na periferia, tem que ter griffe. Onde antes as bandas tocavam e faziam sets incríveis com poucos recursos hoje colocam as fotos antigas xingando o local de buraco, por exemplo! E é resultado de uma falsidade que já existia mas que era muito bem camuflada. A pessoa fazia discurso combatendo aquilo que na realidade sempre sonhou: poder mandar, poder manipular, inventar, enfim poder. Existe arte de qualidade, mas que chance será que tem os garotos e garotas de hoje contra os ''de atitude'' de ontem?
       8- O que te afastou da arte impressa e te levou a dedicar apenas a mídia virtual?

       Primeiro foi a necessidade de conseguir terminar pelo menos um curso universitário para prestar concurso, já que tinha sido alforriada da antiga escravidão no banco. Como me mudei de SP para Curitiba e ali sofri estelionato de ambos os estados inclusive, e fiquei em situação difícil, e as caixas de correspondência eram sempre alvo de vandalismo, e eu ainda tinha que trabalhar durante o dia e estudar à noite pois era bolsista, com uma jornada das 7 às 23h, ficou quase impossível andar atrás de correio, e expliquei isso para pessoas que se aproveitaram disso e de calúnias que sofri para me isolar. Mas os verdadeiros mantém contato até hoje. Ainda tentei em Curitiba transformar meu zine num blog ali por 2004, 05 e 06. Mas ali existia um ''amigo'' dono da situação que espalhou que eu era uma ridícula que só era aturada por ter filha gostosa, e nisto teve o apoio de muitos de SP, ele conseguiu gente suficiente para denunciar meu perfil no google, que foi sumariamente deletado e excluir meu blogzine. Tive que aprender com os meus teens (trabalho como psicopedagoga com crianças e adolescentes) a criar perfil fake, blog fake e tudo o mais. Tive que mudar de nome, mudar de tudo, e começar até isso do zero. Ali, na mídia virtual, os fiéis amigos do passado me apóiam, e o resto, joga pedra. Tem um que vive espalhando que eu o persigo porque muitos dos antigos me aceitam como contato. Tive que deixar de postar comentários num blog que sigo e que adoro, de um correspondente de fanzine e mandar comentário por mensagem por causa deste sujeito que quer aparecer e resolveu inverter a história, sem falar no resto.

     09 -  Sua colocações finais. O que te aflige e o que queria dizer, porém nunca deixaram, principlamente perante a ditadura moral que hoje impera?

    Nunca dão chance a pessoa que é agredida de se defender. Ainda mais se um grupo se junta para atacar justamente uma mulher. O que mais me deixa triste é perceber que nós tivemos, por exemplo,  o Raul Seixas que tão bem definiu a vida e as conseqüências de nossas atitudes e hoje virou só um ''toca Raul'': tocam, cantam mas é apenas uma repetição sem sentido, sem absorver o que há nas palavras. É como diz o Wander Wildner: vivem ''correndo por correr: todo mundo grita/toda hora todos querem/mas todo mundo um dia vai embora/eles esquecem''. A moral rígida é camuflada com estas leis garantindo direitos que na verdade só fazem o sujeito ser ainda mais discriminado. Eu admiro pessoas que batalham por sobreviver e ainda assim tem a generosidade de deixar coisas incríveis, músicas, poemas, HQs, roteiros, filmes e tanta coisa sem nenhum apoio e se sentir feliz com o reconhecimento dos poucos que nasceram com um cérebro na cabeça. E ver que muitos dos que foram brindados com o que eles deram de bom lhes viram as costas, mas seguir assim mesmo. Ter convivido com estes é o maior prêmio que levo da vida. Só quero dizer que meu último pensamento será de agradecimento a tudo de bom, bacana, e alegre que eles me deram.

4 comentários:

  1. Wild, sempre vem na dose certa.
    À ela, não é o destino quem mostra a direção.
    A Wild o vento não leva.
    Ela nunca chega a tempo, chega sempre antes.
    É como se saltasse fogo das narinas delas.
    Pura energia!
    Ci.

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  2. Existem algumas pessoas que me comprazo em manter contato no mundo virtual. Com certeza, Wild está entre elas.
    Valeu!

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  3. parabéns pela coragem de se arriscar e desisterar alguém que alguns donos da "logo marca" fanzine e fanzineiros declararam morta e extinta.

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